segunda-feira, 22 de novembro de 2010

CINE CLUBE - Zumbi somos Nós (quarta-feira)



dia 24 (QUARTA) às 19h30

ZUMBI SOMOS NÓS
dir: Coletivo Frente 3 de fevereiro

Realizado em 2006, com estréia nacional da TV Cultura e mais 26 emissoras, em todos os estados do Brasil, o documentário de 52 minutos "Zumbi somos nós" realizado pelo coletivo Frente 3 de fevereiro e produzido por Gulane Filmes, cria um diálogo afinado entre imagem e som numa proposta de apresentação ao vivo do documentário. Hoje uma referência fundamental na construção simbólica na linguagem audiovisual contemporânea.
http://www.frente3defevereiro.com.br/

Mais sobre o filme:

Zumbi Somos Nós
O fio condutor (14-15 de novembro)
Por Maurinete Lima

Neste Brasil decantado como o país de muitas cores, de cultura de muitas raças, o país da diversidade, um jovem negro acabava de embarcar sua noiva e caminhava por uma movimentada avenida de São Paulo, quando de repente, teve sua vida totalmente revirada – havia sido confundido com um ladrão e foi executado de forma fulminante sem ter esboçado nenhuma reação.

Este caso passaria desapercebido como milhares de outros, se não houvesse um diferencial: era um jovem negro pertencente às camadas médias, dentista formado recentemente. Todavia, nem seu pertencimento de classe, nem sua mobilidade educacional o livraram de ser catalogado como suspeito. Estava aí revelado: o jovem Flávio Sant´ana morreu por ser negro.

Fica claro que há um viés racista contido na atuação da polícia, evidenciado pela expressão utilizada pela policia: elemento suspeito cor padrão. Ao investigarmos as raízes do racismo policial, a origem da polícia, em especial no Brasil, explicita que sua função é a repressão e o controle social das populações excluídas e a proteção da propriedade das elites, e não a proteção do cidadão. A polícia, e os policiais, acabam refletindo a organização geral da sociedade que, no caso brasileiro, tem uma forte herança escravocrata.

O que legitima essa função da policia é um sentimento disseminado de medo. Um medo branco que no passado era utilizado para manter sob controle uma enorme parcela da população escrava, submetida a condições de vida ultrajantes. Ao se transportar para a sociedade de hoje, este medo das elites traz consigo as mesmas políticas de controle social, que se aprimoram e se fortalecem. E aqui a figura do elemento suspeito é peça chave, uma vez que identifica um perfil claro como sendo suspeito: jovem, negro e pobre. E este perfil carrega a suspeição para onde quer que se locomova na cidade.

A realidade, portanto, desconstrói continuamente o mito da democracia racial. Este mito se configura como uma estratégia de apaziguamento e omissão da estrutura de exclusão racial existente no Brasil. A perversidade desta estratégia esta na sua capacidade de internalização da idéia de inferioridade por parte dos excluídos, por meio do auto-convencimento, reiterado incessantemente no cotidiano dos jovens negros.

Um outro exemplo foi o fato do jogador de futebol Grafite ter denunciado o jogador Leandro Desábato por ofensas racistas. Explicitou-se que nem mesmo o futebol, espaço idealizado como despido de qualquer preconceito e onde reina a harmonia entre as raças, confirma o mito da democracia racial. Debates acalorados são travados para avaliar se houve ou não racismo, mas tudo nos moldes da sociedade brasileira: racista é sempre o outro, melhor ainda quando este é argentino.

Estes mecanismos de exclusão se inserem em uma lógica maior, característica do planejamento das cidades modernas, que classifica áreas de modernidade, as quais se associam todas as idéias positivas, e de atraso, as quais se associa tudo que há de ruim. Esta forma de delinear a cidade vai criando pouco a pouco bolsões de exclusão, que são definidos pelo que não têm: não têm saneamento básico, não tem transporte coletivo suficiente, não têm calçamento, não tem iluminação pública adequada, etc.

A conjunção do medo, utilizado para legitimar a repressão, com o crescimento desses bolsões de exclusão, devido ao aumento das desigualdades sociais, levam a criação de verdadeiras bolhas de segurança. Sua justificativa é a segurança, mas sua lógica é a de impedir, particularmente em São Paulo, qualquer contato com o outro. Vale ressaltar que, diariamente, atravessam os muros dessas bolhas os residentes daquelas regiões conhecidas pelo que não têm, para prestar serviços como cozinheiras, lavadeiras, passadeiras, babás, etc.

A sociedade brasileira não se organiza em termos de cooperação e sim da exclusão, com um modelo de sociabilidade extremamente separado e violento. Em algum momento isto vai transbordar, vai ficar insuportável. Foi o que parece ter ocorrido por ocasião dos ataques do PCC, em maio deste ano, quando a cidade apartada fica face-a-face com a realidade da zona excluída. De nada adiantou todo seu aparato de segurança, pois a cidade com sua ideologia exclusora, com sua arquitetura anticonvivência, gerou de forma consciente ou inconsciente, este momento de caos.
E mais uma vez, a elite dominante perdeu a chance de rever esta insustentável falta de convivência e optou por mais controle, mais criminalização e mais confinamento.

Mas nem tudo é a História das práticas dominantes. Podemos identificar brechas nesse sistema. No passado elas se corporificaram em várias formas de resistência. O protesto escravo sempre esteve presente na História da escravidão. O escravo sempre deixou claro o seu inconformismo e isto acontece muito antes do final do século XIX. O quilombo dos Palmares é um exemplo disso. E sem falar das inúmeras revoltas, a mais conhecida delas sendo a Revolta dos Malês, pelo seu poder de organização, onde os escravos sabiam ler e escrever, enquanto seus senhores eram, em sua maioria, analfabetos.

Então, cabe a nós trazer para o presente e descobrir os nichos de resistência e suas estratégias. Desde uma ocupação de um prédio no centro da cidade pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), que nos traz uma associação direta com um quilombo urbano, em plena Prestes Maia, até discussão sobre a criação de cotas raciais nas universidades.

Enfim, Zumbi Somos Nós, todos os que procuram converter a violência em uma de resistência simbólica.

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